Para alguém conhecido, no início da carreira, como "o peru que fala", graças à vermelhidão causada pela timidez diante do auditório, Silvio Santos passou por uma notável transformação nos 50 anos à frente do programa que leva seu nome. Hoje, está totalmente sem vergonha.
Só nos últimos meses, perdeu as calças no ar (e deixou a cena ser exibida), constrangeu convidados com comentários irônicos e maldosos e vem falando palavrões e piadas sexuais em seu programa. Está, como se diz na gíria, "soltinho" aos 81 anos.
A postura tem surpreendido não só as "colegas de auditório", os convidados e os espectadores, mas seus próprios funcionários. Tem também reavivado o status de ícone para a geração das redes sociais, que replicam vídeos com seus "melhores momentos" pela internet.
"Acho que o Silvio Santos nunca atravessou uma fase tão despojada, tão à vontade. Até me assustei um pouco", diz o apresentador Luis Ricardo Monteiro, que, há mais de 30 anos no SBT, precisou lidar recentemente com o patrão detonando no ar os produtos que tentava vender.
Para Monteiro, após superar "os problemas que o grupo [Silvio Santos] teve" -fraude no Banco PanAmericano em 2010 e venda do Baú da Felicidade em 2011-, o empresário "soltou as amarras". O momento atual se assemelharia, diz ele, aos primórdios do SBT, quando Silvio tinha "um papo reto".
"Ele falava 'olha, podem assistir à novela da Globo, depois começo o filme aqui no SBT'. Era mais solto e, ao longo do tempo, como presidente da emissora, foi se engessando um pouquinho."
AUDIÊNCIA
Segundo Monteiro, a fase atual "está chocando", mas também "dando muito resultado" no ibope -de fato, a audiência do programa dominical e do canal como um todo voltaram a crescer, após um período de perda da vice-liderança para a Record.
"Sinceramente, acho que ele está gagá. Mas falo isso com carinho, assim como falo da minha avozinha", diz o apresentador Marcelo Tas, que vem destacando episódios pitorescos do dono do SBT no "Top 5" de seu programa "CQC", na Band.
"O importante é ele continuar rindo dele mesmo. Faço questão de falar dele com carinho, porque todos vamos chegar aí. A diferença é que ele é o Silvio Santos, o dono do canal, então ninguém vai dizer para ele não fazer as coisas que tem feito."
Nem todos atribuem a fase a uma suposta senilidade.
"Velho ele é faz tempo", diz a atriz Lívia Andrade, a atual professora Suzana de "Carrossel" (SBT), com o mesmo humor que usou para reagir à frase de Silvio de que "gato escaldado... morre, porra", num jogo de que ela participava ("Interna!", reagiu).
"Ele continua o mesmo, não tem nada a ver com a idade, mas com o momento da TV, dos programas de humor, da aceitação do público. Palavrão, piada apimentada não são mais tão chocantes, as pessoas gostam."
Essa visão de que a nova fase de SS seria uma adaptação ao humor mais chulo que a TV importou da comédia "stand-up" é compartilhada por outros funcionários do SBT. "O Silvio Santos acompanha a onda, a modernidade. Não posso falar 'pô, Silvio, você está pegando pesado', porque isso é uma coisa tão normal hoje, é moda", diz Ailton Lima, o Liminha, 47, assistente de palco do "patrão" há mais de 20 anos.
Nem tudo tem sido sorrisos na nova fase: SS, que sempre lidou bem com os incontáveis humoristas que o imitam, resolveu, em maio, processar a trupe do programa "Pânico", da Band, impedindo-a de imitá-lo e de se aproximar dele.
Lívia Andrade diz que a atitude teve lógica comercial. "Tudo tem limite. É burrice dar audiência a outra emissora que está no ar na mesma hora do seu programa."
O fato é que nem as polêmicas nem as atitudes mais grosseiras da nova fase parecem atingir a imagem de SS.
Para Tas, isso se explica pelo extenso crédito acumulado pelo apresentador em suas décadas de TV, que compensam "esses escorregões":
"Ele sempre fez esse entretenimento da família, do domingo, despretensioso. É como diz a música dele, 'do mundo não se leva nada/ vamos sorrir e cantar'. Ele está vivendo isso plenamente."
Fonte: Marco Aurélio Canônico (Folha de São Paulo)
Nenhum comentário:
Postar um comentário