Não me recordo exatamente da primeira vez que a vi na televisão. Mas me recordo perfeitamente da última vez que a vi na televisão. Era 29 de setembro de 2012, exatamente um ano atrás que, com olhos marejados e boquiaberto, tentava processar a notícia dada por todos os canais de tv, sites e redes sociais possíveis. Falecia, aos 83 anos, vítima de parada cardíaca, enquanto dormia em sua própria casa, a cantora, atriz, apresentadora e ícone feminino Hebe Camargo. A artista, que lutava contra um câncer no peritônio (membrana que envolve o aparelho digestivo), desde janeiro de 2010, nos deixava de luto, deixando também a tv brasileira mais triste, sem cor, sem luz, sem vida.
A “multifacetada” Hebe Camargo
É incrível como figuras públicas como a Hebe Camargo nos dão a falsa e confortante sensação de serem criaturas infinitas, indestrutíveis, inabaláveis, praticamente entidades que são reais, acima de qualquer princípio humano de existência. Hebe é uma figura que flerta com a ideia de eternidade; não física, biológica; mas artística, humana.
Hebe: uma moleca animada, uma rainha humilde e uma artista completa
Não concordo plenamente com a expressão “toda unanimidade é burra”. Mas Hebe é das raríssimas pessoas que beira o unânime. Querida, adorada, aplaudida, premiada… assim era Hebe Camargo diante dos seus pares no meio artístico, ou no meio do povo, dos seus fãs, daqueles que tinham como hábito quase que religioso e automático vê-la, sempre impecável com seus figurinos que, por vezes, deixavam aquele belo par de pernas a mostra, no seu programa. Impecável também com seu cabelo dourado, sempre disposto em um penteado imponente e marcante, tal qual sua personalidade. Brilhante. Simplesmente mais brilhante e valiosa que todas as suas famosas joias que, se para alguns poderia soar como ostentação, para mim soavam como reflexo de uma mulher que, tal qual um belo diamante, era de uma resistência e uma aura iluminada, de valores altíssimos (não apenas os monetários).
Um deslumbre de mulher que iluminava qualquer espaço
Hebe era a história viva da televisão brasileira. A apresentadora fez, e faz, parte de capítulos importantíssimos dessa história. Viu o formato televisivo no país nascer e crescer. Cuidou, tal qual uma progenitora, para que seu rebento se tornasse cada vez mais forte. Testemunhou décadas e décadas de mudanças no Brasil e no mundo sentadinha no seu clássico sofá, rodeada de convidados dos mais variados meios artísticos (ou não), nacionais e internacionais, os tratando sempre como visitas muito bem-vindas na sala da sua casa. Sim! Hebe fazia do seu programa uma extensão confortável e prazerosa de nossos lares. Sentíamos-nos íntimos dela, capazes de receber um “selinho” seu com a maior naturalidade do mundo. Ah, os selinhos… Gesto físico de um amor metafísico que Hebe despertava nas pessoas. Seus lábios, assim como ela, por inteira, eram de uma atração magnética incapaz da qual fugir.
Sofá, poltrona, cadeira… o importante era ter Hebe entrevistando
Hebe era uma mulher anos-luz do seu tempo. Usava seu microfone como um instrumento de mobilização e transformação. Falava besteiras, soltava uns palavrões, mas conseguia também, em meio a gargalhadas contagiantes, uma firmeza e seriedade no olhar, na fala, no discurso em prol de assuntos sérios, de interesse do cidadão brasileiro.
Hebe nunca escondia a alegria de viver
Hebe fazia questão de se mostrar uma mulher acessível, gente como a gente, sempre animada e disposta a fazer a alegria do público
Ela nos fez rir, nos fez chorar, nos fez acreditar que a vida é boa, que o mundo é maravilhoso, que as pessoas podem ser maravilhosas, lindas, gracinhas, bárbaras. Ela provou para todos que o estigma da “loira burra”, embora Hebe não tenha nascido naturalmente loira, soava como clichê diante do poder de raciocínio rápido e de inteligência árdua que Hebe detinha durante suas entrevistas, nunca perdendo o fio da meada, nem a piada, por mais que colocasse em risco perder o amigo. E quem seria louco de deixar de ser amigo de Hebe, por qualquer razão que fosse?
Hebe era mais que uma estrela. Hebe foi e será sempre uma constelação. Hebe não morreu. Hebe apenas cumpriu sua missão de constelação: brilhou o tempo que pode na Terra e, agora, merecidamente brilha, radiante, no Céu.